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domingo, 16 de setembro de 2012

Com que roupa?

Por: ALESSANDRA LELES ROCHA



No contexto de uma mania instituída em analisar os fatos na superficialidade mais rasa possível, deparei-me com a notícia de que na China está em discussão qual o tipo de roupa mais adequado para mulheres que utilizam o metrô; já que, uma cidadã foi fotografada utilizando uma roupa bastante transparente 1. Segundo o governo chinês, a utilização de roupas mais ousadas, transparentes, poderiam incitar e aumentar os casos de violência contra as mulheres. A chegada do verão naquele ou em quaisquer outros países sempre conduz ao uso mais livre e descontraído de roupas curtas, leves e, algumas vezes, transparentes; então, o burburinho foi total e as diferentes correntes de pensamento puseram a defender seus pontos de vista. Sempre reprimidas e massacradas pela sociedade, as mulheres se dividiram entre as que protestaram na defesa livre de sua escolha pelo o que vestir e outras que manifestaram sua concordância com a ideia de uma busca mais adequada pelo vestuário, evitando-se dessa forma eventuais dissabores.
Nem moralismos, nem modismos, nem feminismos. Em primeiro lugar é preciso entender que a vestimenta é em essência um dos diversos tipos de símbolos da linguagem humana. Por falarmos pelos cotovelos, muitas vezes nos passa realmente despercebido que a linguagem não se dá estritamente pela fala, mas por diferentes formas, incluindo o próprio corpo. A expressão corporal, ainda que involuntária ou inconsciente, carrega elementos de subjetividade que torna sua tradução ou interpretação extremamente variável; afinal, nem todos os sinais são puros e objetivos. E, infelizmente, a significância sexual do corpo é intrínseca ao pensamento humano, especialmente no contexto do universo masculino; por isso, ainda que não justifique de forma alguma um ato de violência, para mentes perturbadas e doentes, qualquer coisa pode conduzir a essa interpretação totalmente equivocada.
Quando coberto pela vestimenta essa subjetividade fica maior, e em alguns casos, até produz um efeito estimulador da psique humana. Uma miscelânea de traços socioculturais interfere na dinâmica da escolha do que irá se vestir e consequentemente na forma com que serão decodificados. Estereótipos são criados e passam a povoar o universo social como verdadeiros personagens; mesmo que, para a grande maioria das pessoas a escolha da roupa não passe de mero palpite do dia.
Mas, desde o homem das cavernas, a vestimenta dá o seu recado: grandes peles de animais para proteger do frio, tangas (também de couro animal) nos dias mais quentes. Lembremos os anos sessenta, por exemplo, e James Jean com sua jaqueta de couro, a calça jeans e a camiseta branca. Bem mais que a rebeldia do galã de Hollywood, havia todo o discurso do “american way of life” que dava vazão ao imperialismo americano a mostrar as vantagens do consumo e da liberdade de escolha, fazendo contraponto à uniformização imposta pelos regimes socialistas (especialmente a China), com seus modelos cáquis que faziam parecer uma massa humana igualitária e obediente ao regime.
Em pleno século XXI, quando as roupas já deveriam ter alcançado simplesmente a sua função básica de cobertura corporal, elas continuam motivo de discórdia, de intolerância, de preconceito, ou de violência. A sociedade então, profundamente, segmentada em grupos diversos mantem viva a chama de se reconhecer ou segregar a partir da vestimenta. Retrôs, bregas, peruas, piriguetes, vanguardistas, tradicionais, cults,... a lista é longa! Mas, embora vestidos, a verdade é que a grande maioria continua totalmente despida da sua consciência cidadã. Nenhuma vestimenta consegue encobrir as lacunas das misérias humanas: esconder a ignorância, mascarar os preconceitos, envernizar a hipocrisia, disfarçar a falta de educação,... Troca-se muito de roupa, mas não de alma, de essência, de valores! Os guarda-roupas, quase sempre cheios, descrevem a saga do consumo e da liberdade; mas, paralelamente, apontam as insustentabilidades do planeta. Com tantos sinais apocalípticos, a migração abrupta estendendo-se diante dos olhos, quem sabe um dia, o chique da moda se converta apenas em ter algo para se vestir, independente do que for, hein?!

Excelente crônica da escritora Alessandra Leles Rocha

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