“Um dos
principais desafios na luta contra o câncer é esclarecer os mitos que cercam a
doença.” Assim começa a reportagem publicada em 4 de outubro de 2012
no site da BBC Brasil, sobre uma pesquisa apresentada no congresso da
Sociedade Europeia de Oncologia Clínica, na Áustria, que destacou os principais
mal-entendidos acerca do câncer que permeiam o imaginário popular.
No
Brasil, estudos feitos por Marília Seelaender, professora associada do
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), também
têm ajudado a esclarecer aspectos associados ao câncer.
Segundo
Seelaender, muitos profissionais da saúde buscam combater o tumor e não se
importam em tratar o paciente por inteiro. As pesquisas que realiza buscam
caracterizar a caquexia associada ao câncer, que consiste em uma inflamação
crônica dos órgãos que causa desnutrição e perda excessiva de peso.
“A
caquexia se manifesta em 80% dos casos terminais e é responsável pela morte de
mais de 20% dos pacientes com câncer. Ainda assim, é tratada por meio da
reposição calórica, a qual tem se revelado completamente inócua”, disse.
Em seu
mais recente trabalho científico concluído a respeito do tema, Seelaender
investigou a suplementação com açaí em casos de caquexia. O estudo
teve apoio da FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa –
Regular.
Muito
além de uma dieta de calorias – o que, segundo Seelaender, é a recomendação
mais comum para atenuar a caquexia –, a pesquisa propôs analisar o efeito desse
alimento em uma dieta de longo prazo, visando à modulação da expressão gênica
pelo nutriente da fruta.
Sabe-se
que o açaí tem propriedades antiinflamatórias em sua composição natural. No
entanto, os estudos feitos no ICB-USP verificaram que, em bebidas comerciais,
com a adição de xarope de glicose, os ganhos metabólicos dos nutrientes são
eliminados.
“Essa
constatação foi feita na primeira fase do projeto, quando testamos bebidas de
açaí encontradas em supermercados na suplementação de ratos sadios. Pudemos
notar início de esteatose – ou fígado gorduroso –, redução de enzimas ligadas
ao metabolismo da glicose e aumento de peso e adiposidade”, destacou
Seelaender.
Na
segunda etapa da pesquisa, o xarope de glicose foi substituído por mel
orgânico, que tem propriedades antiproliferativas. “Dessa vez, comprovamos que,
tanto nos animais sadios como nos que portavam tumor, a ingestão desse suco
finalmente fez com que a propriedade antiinflamatória do açaí se manifestasse”,
disse Seelaender.
Para
análise dos experimentos foi levada em conta a razão entre as citocinas pró e
antiinflamatórias – IL-6 e IL-10 (interleucinas), respectivamente – presentes
no fígado, no músculo e nos tecidos adiposos epididimal e retoperitoneal dos
ratos.
Isso
porque, em pacientes humanos caquéticos, a relação entre essas citocinas indica
um perfil pró-inflamatório (ou seja, mais IL-6 do que IL-10), o que determina
inflamação nos órgãos e, consequentemente, desnutrição nos pacientes com
câncer.
“Então,
nesse aspecto, a suplementação com açaí causou efeitos positivos, uma vez que
reduziu a expressão da citocina pró-inflamatória no organismo”, disse
Seelaender.
Aumento
tumoral
Outra
propriedade do açaí, ainda mais conhecida do que a antiinflamatória, é a
antioxidante. Seelaender e equipe procuraram verificar se a suplementação com
suco de açaí e mel resultava na redução do estresse oxidativo relacionado à
caquexia.
“A ingestão
desse composto diminuiu a concentração de malondialdeído – que é um elemento
pró-oxidante – apenas em ratos sadios. Além disso, em animais doentes, ela
causou um aumento significativo da massa tumoral”, disse.
O
resultado é que, embora os nutrientes do açaí tragam melhorias em relação ao
perfil antiinflamatório do organismo, eles não são eficientes no combate ao
estresse oxidativo e ainda podem resultar no crescimento do tumor.
“Por
conta disso, não indicamos a suplementação com açaí para o tratamento da
caquexia associada ao câncer”, advertiu Seelaender, que, atualmente, realiza
testes em humanos, para analisar as consequências da prática de exercícios
físicos no combate a esse sintoma.
Segundo a
pesquisadora, essa relação já havia sido estudada em ratos com resultados
surpreendentes. “Todos os sintomas da caquexia foram contrabalançados pela
atividade física regular e, em humanos, já temos notado inclusive uma
diminuição da massa tumoral”, disse.
Fonte: Agência
Fapesp