Publicado originalmente no DW
Atualmente o autor Jörg Baberowski dá margem a muita discussão na
Alemanha. Ele não faz concessões em sua análise: Josef Stalin era um agressor
por paixão e um psicopata impiedoso, um déspota, que mandava matar por quotas e
não poupava a ninguém. Ele semeava medo, pavor e desconfiança à sua volta,
submetendo toda uma sociedade a uma cultura da destruição e do terror.
Evocando numerosas fontes, Baberowski expõe essa tese nas quase 600
páginas de seu perturbador Verbrannte Erde. Stalins Herrschaft der Gewalt
(Terra queimada: O regime da violência de Stalin). “Não escrevi um livro sobre
a União Soviética, ou sobre o stalinismo, mas sim sobre a violência extrema e o
que ela faz com as pessoas”, disse, numa de suas disputadas leituras públicas.
Império da paranoia
Para o professor de História do Leste Europeu na Universidade Humboldt,
em Berlim, o homem que de 1927 a 1953 transformou a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas em seu “Império da Paranoia” era um assassino que tinha
prazer em destruir e ferir. Um “agressor por paixão”, cujo regime foi marcado
por terror sem limites e que não distinguia mais entre amigos e inimigos.
Em tal império, sob o signo do assassínio
desbragado, em princípio não pode haver sucessos políticos ou econômicos, nem
notícias positivas de qualquer tipo, mas somente pragas de fome em decorrência
de uma política econômica totalmente equivocada, expulsões, desapropriações,
desperdício de recursos, destruição da cultura camponesa, submissão total do
partido e das instituições estatais à vontade do ditador, terror contra a
população, denúncia, tortura, “confissões” extorquidas, processos de fachada –
e também a lealdade incondicional dos funcionários.
“Ao fim, Stalin não precisa escrever nem decretar nada. Cada um sabia,
de algum modo, o que devia fazer para manter o déspota satisfeito. E ninguém
queria se tornar vítima”, explica Baberowski a seu público na cidade de
Colônia.
Inferno de muitos, vantagem de poucos
Com um golpe de pena, Josef Stalin enviava inocentes para a morte, às
vezes alguns milhares num único dia. Ao mesmo tempo, sinaliza a seu círculo
mais imediato de colaboradores que isso podia acontecer com qualquer um.
“Ele simplesmente mandava matar alguém, assim mostrando aos outros o que acontecia a quem não se submetesse.” Portanto não havia segurança nem para quem estivesse próximo do núcleo do poder. “Hoje ministro, amanhã condenado à morte: esta era a macabra imprevisibilidade do sistema”, narra o historiador.
Não eram perseguidos apenas os supostos inimigos do Estado, mas também
seus familiares. Eles eram tomados como reféns, para extorquir confissões dos
detentos. “E nem mesmo depois da morte da vítima tinha fim o sofrimento das
esposas, filhos e parentes”. Eles eram expulsos de suas casas, deportados para
os campos de trabalho, internados em orfanatos estatais.
As vidas de muitos eram transformadas num inferno por alguns poucos.
Baberowski também constatou em suas pesquisas que, sem dúvida, também havia
beneficiados: a elite técnica, alguns artistas, gente que se dava bem como os
novos tempos.
Culto contemporâneo na Rússia
Não houve um processamento reflexivo da época stalinista, nem na URSS,
nem na Rússia contemporânea. No momento, o livro de Jörg Baberowski está sendo
traduzido para o russo. O autor mostra-se cético: dificilmente terá muitos
leitores na Rússia.
No país – assim como na Geórgia, onde o ditador nasceu em 1878 – há
atualmente uma verdadeira euforia stalinista em alguns círculos. O autor
consegue compreender o fenômeno, e prefere não julgá-lo.
“As pessoas que hoje aclamam Stalin, aclamam um império afundado e não
se recordam da miséria da época”, opina. Os russos querem voltar a se orgulhar
das guerras vencidas, por isso só se evoca o glorioso papel do grande marechal
de guerra. A sociedade russa tira pouco proveito de reformas pacíficas; porém a
mudança não pode vir de fora, afirma Baberowski.
O especialista em história do Leste Europeu tem recebido muitos elogios
pela pesquisa meticulosa e pela apresentação cativante. Seu colega Gerhard
Simon caracteriza a monografia como “arrebatadora, memorável e indispensável”.
Ela oferece um contrapeso à memória histórica europeia, ainda fortemente concentrada
no nacional-socialismo.
Vozes críticas
Outros pesquisadores apontam no trabalho de Baberowski emocionalidade e
falta de distanciamento em relação ao objeto de estudo. Eles questionam essa
tese de um tirano absoluto, que move todos os fios da política.
Em um ensaio para a revista Osteuropa, o historiador Stefan
Plaggenberg, de Bochum, afirma que Stalin não foi um “maníaco geneticamente
defeituoso”, mas sim um produto das circunstâncias.
Benno Enker, especialista em história do Leste Europeu de Sankt Gallen,
Suíça, se incomoda com uma “equiparação das ditaduras terroristas” do nazismo e
no stalinismo, acusando um “obscurecimento terminológico”. Já Christoph
Dieckmann, do Instituto Fritz Bauer, critica o estudo por dar a impressão de
que as ondas de violência stalinista viessem “como fenômenos naturais”,
explicadas exclusivamente pelos “humores de Stalin”.
Todas essas diferentes tentativas de explicação confirmam: mais quase
seis décadas após sua morte, a figura histórica de Stalin não deixa ninguém indiferente:
nem o autor do livro, nem seus críticos. E muito menos os leitores.
Autoria: Cornelia Rabitz (av)
Revisão: Mariana Santos
Revisão: Mariana Santos
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