Ler, para
mim, passou, cada vez mais, estar associado a estes ir e vir passivos. O livro
nestas ocasiões passou a ser um pré-requisito para sair de casa. Muitas foram
as vezes que, já no portão, tive de voltar à casa ao me dar conta de não estar
com nenhum livro em mãos. Muitas foram também as ocasiões em que saí de casa
com mais de um livro na mochila, após estimar a quantidade de páginas em
relação o tempo da viagem. Poucas e irritantes foram as vezes em que me peguei
dentro de um ônibus sem um livro em mãos.
Com esta
associação, praticamente parei de ler em casa. Como passava muito tempo do meu
dia indo e vindo, lia bastante nos meus percursos e o tempo em casa eu dedicava
a outras coisas. O hábito mudou. Por outro lado, os períodos em que precisava
usar o carro, por exemplo, para trabalhar, praticamente não lia.
Mas o fato é
que semana passada saí de cada para trabalhar de ônibus e metrô. Antes de sair,
passei os olhos no meu livro e, apesar de estar no fim, tinha páginas
suficientes para o ir e vir, sem ter que levar um livro reserva. Bom, entrei no
ônibus e após algumas quadras o livro acabou! Simplesmente a história toda
acabou! Não que eu tivesse estimado errado a quantidade de páginas, ou que o
trânsito estivesse muito lento, menos ainda que eu tivesse lido rápido demais;
mas muitas das páginas restantes eram de um indesejado posfácio do tradutor.
Sim, o meu livro acabou, os personagens deixaram de existir, toda aquela
atmosfera se foi sem eu me preparar [risos]! Eu não tinha mais nada em mãos a
não ser aquele posfácio traidor que nem me dei por lê-lo. Estava ainda no
caminho de ida para o trabalho e não tinha mais um livro para ler.
Confesso que
isso chega a ser até angustiante, mas muito mais cômico. Eu parecia um viciado
sem o objeto de desejo ao alcance das mãos, um estranho em um novo mundo de
maneiras e atitudes desconhecidas: atrapalhado, confuso e deslocado de mim
mesmo. Estava no ônibus e tinha as duas mãos livres. Não era mais preciso me
enroscar pelas barras, nem tanto me equilibrar e menos ainda fazer malabares
com meus objetos. O meu livro tinha acabado e não havia nada mais que eu
pudesse fazer a não ser rir de mim mesmo.
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