quarta-feira, 24 de julho de 2013
quarta-feira, 19 de junho de 2013
Cuidados com o corpo
Para não engordar com a rotina do trabalho, confira as seguintes dicas:
Caminhe: Desça do ônibus ou estacione o carro mais cedo, um pouco
mais longe do trabalho, e faça o resto do percurso a pé. Suba escadas ao invés
de pegar o elevador, vá falar com seu colega de outra seção ao invés de mandar
um e-mail. Tente aumentar a atividade física ao longo do dia em todas as
oportunidades possíveis.
Hidrate-se: Beba água durante o trabalho. Além de te manter hidratado, você pode dispensar as bebidas açucaradas e calóricas.
Leve seu almoço de casa: Se o local de trabalho tiver cozinha para esquentar a comida, melhor ainda. Essa é uma maneira de escolher opções mais saudáveis e as porções ideais.
Escolha frutas e vegetais: Opte por opções saudáveis para o lanche da tarde e não deixe de comê-lo para não aumentar a fome nas outras refeições. [LiveScience]
sexta-feira, 14 de junho de 2013
quarta-feira, 12 de junho de 2013
5 intrigantes formigas
Algumas espécies de formigas são bem peculiares, por diferentes
características – uma mordida doída, uma capacidade incrível de se ligar, o
fato de se transformarem em zumbis, e até mesmo uma habilidade de
guardar mel como um pote de vidro.
sábado, 25 de maio de 2013
domingo, 17 de fevereiro de 2013
Vinícius de Moraes
Poeta, compositor e diplomata fluminense (19/10/1913-9/7/1980). Marcus
Vinicius da Cruz de Mello Moraes é um dos mais importantes poetas do
modernismo pós-1930 e um dos principais letristas da bossa nova. Nasce na
cidade do Rio de Janeiro e forma-se em direito em 1933.
Nesse ano publica o primeiro livro, O Caminho Para a Distância. Lança
em 1935 Forma e Exegese e, no ano seguinte, Ariana, a Mulher. Em
1938 vai estudar na Inglaterra e lança Novos Poemas. De volta ao
Brasil, ingressa no Itamaraty em 1943. Assume o primeiro posto diplomático três
anos depois, em Los Angeles (EUA).
Em 1953 compõe o primeiro samba, Quando Tu Passas por Mim. Monta
a peça Orfeu da Conceição em 1956 e publica Livro de Sonetos em
1957. Um LP de Elizeth Cardoso, de composições suas em parceria com Tom Jobim,
inicia a bossa nova. É de Vinicius a letra de Garota de Ipanema, a
música brasileira mais conhecida no exterior.
No começo dos anos 60 lança Para Viver um Grande Amor. Faz letras
para músicas de Carlos Lyra, Pixinguinha, Baden Powell, Edu Lobo, Francis
Hime e Dorival Caymmi. Tem os direitos políticos cassados pelo
governo militar. Até morrer, no Rio de Janeiro, faz shows no Brasil e no
exterior com Toquinho, seu parceiro desde 1969.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e
ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma
morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada —
para viver um grande amor.
Vinícius de Moraes
Amigos
Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o
amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que
o objeto dela se divida em outro s afetos, enquanto o amor tem intrínseco o
ciúme, que não admite a rivalidade. E eu poderia suportar, embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos
os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o
quanto minha vida depende de suas existências...
A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera
condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas, porque não os procuro
com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles.
Eles não iriam acreditar. Muitos deles estão lendo esta crônica e não
sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.
Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e
não os procure.
E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me
são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque
eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram
alicerces do meu encanto pela vida.
Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu
bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma
lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...
Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida
não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando
comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só
desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.
Vinícius de Morais
O mais-que-perfeito
Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(Comum, embora...)
Ah, quem me dera ir-me!
Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!
Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah, quem me dera ver-te!
Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...
Vinícius de Moraes - Para Viver um Grande Amor
Amor em paz
Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar
Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz.
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar
Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz.
Vinícius de Morais
Soneto de Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinícius de Morais
Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.
Vinícius de Morais
Solidão
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser
que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da
vida humana.
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si
mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de
socorro.
O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e
ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como
uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a
angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de
emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio,
semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
Vinícius de Morais
O operário em construção
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta
ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar
de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das
canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir
falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os
passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja
de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados.
Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o
grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal
objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender
o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não
puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova,
quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de
grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não
se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos
anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas
desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato
depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a
vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se
parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias
perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de
amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
Vinícius de Morais
Procura-se um amigo
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta
ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar
de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das
canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir
falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os
passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja
de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados.
Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o
grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal
objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender
o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não
puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova,
quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de
grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não
se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos
anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas
desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato
depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a
vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se
parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias
perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de
amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
Vinícius de Morais
A você, com amor
O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia…
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete do mar
O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda…
E a música inaudível…
O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar…
O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia…
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete do mar
O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda…
E a música inaudível…
O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar…
O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.
Vinícius de Morais
Mar
Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.
Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.
E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.
Vinícius de Morais
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amor próximo distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinícius de Morais
Desalento
Sim,
vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos.
Vinícius de Morais
O Filho do Homem
O mundo parou
A estrela morreu
No fundo da treva
O infante nasceu.
Nasceu num estábulo
Pequeno e singelo
Com boi e charrua
Com foice e martelo
Ao lado do infante
O homem e a mulher
Uma tal Maria
Um José qualquer.
A noite o fez negro
Fogo o avermelhou
A aurora nascente
Todo o amarelou.
O dia o fez branco
Branco como a luz
À falta de um nome
Chamou-se Jesus.
Jesus pequenino
Filho natural
Ergue-te, menino
É triste o Natal.
Vinícius de Morais
A Vida Vivida
Quem
sou eu senão um grande sonho obscuro em face do Sonho
Senão
uma grande angústia obscura em face da Angústia
Quem
sou eu senão a imponderável árvore dentro da
noite
imóvel
E
cujas presas remontam ao mais triste fundo da terra?
De
que venho senão da eterna caminhada de uma sombra
Que
se destrói à presença das fortes claridades
Mas
em cujo rastro indelével repousa a face do mistério
E
cuja forma é prodigiosa treva informe?
Que
destino é o meu senão o de assistir ao meu Destino
Rio
que sou em busca do mar que me apavora
Alma
que sou clamando o desfalecimento
Carne
que sou no âmago inútil da prece?
O
que é a mulher em mim senão o Túmulo
O
branco marco da minha rota peregrina
Aquela
em cujos abraços vou caminhando para a morte
Mas
em cujos braços somente tenho vida?
O
que é o meu Amor, ai de mim! senão a luz impossível
Senão
a estrela parada num oceano de melancolia
O
que me diz ele senão que é vã toda a palavra
Que
não repousa no seio trágico do abismo?
O
que é o meu Amor? senão o meu desejo iluminado
O
meu infinito desejo de ser o que sou acima de mim mesmo
O
meu eterno partir da minha vontade enorme de ficar
Peregrino,
peregrino de um instante, peregrino de todos os instantes
A
quem repondo senão a ecos, a soluços, a lamentos
De
vozes que morrem no fundo do meu prazer ou do meu tédio
Qual
é o meu ideal senão fazer do céu poderoso a
Língua
Da
nuvem a Palavra imortal cheia de segredo
E
do fundo do inferno delirantemente proclamá-los
Em
Poesia que se derrame como sol ou como chuva?
O
que é o meu ideal senão o Supremo Impossível
Aquele
que é, só ele, o meu cuidado e o meu anelo
O
que é ele em mim senão o meu desejo de encontra-lo
E
o encontrando, o meu medo de não o reconhecer?
O
que sou eu senão ele, o Deus em sofrimento
o
temor imperceptível na voz portentosa do vento
O
bater invisível de um coração no descampado ...
que
sou eu senão Eu Mesmo em face de mim?
Vinícius
de Morais
A Um Passarinho
Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.
Deixa-te de histórias
Some-te daqui!
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.
Deixa-te de histórias
Some-te daqui!
Vinícius de Morais
A Casa
Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.
Vinícius de Morais
O Mosquito
O mundo é tão esquisito:
Tem mosquito.
Por que, mosquito, por que
Eu . . . e você?
Você é o inseto
Mais indiscreto
Da Criação
Tocando fino
Seu violino
Na escuridão.
Tudo de mau
Você reúne
Mosquito pau
Que morde e zune.
Você gostaria
De passar o dia
Numa serraria —
Gostaria?
Pois você parece uma serraria!
Vinícius de Morais
O Rio
Uma gota de chuva
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu, da terra.
Através de antigos
Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milênios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.
Um rio nasceu.
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu, da terra.
Através de antigos
Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milênios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.
Um rio nasceu.
Vinícius de Morais
O Haver
Vinícius de Moraes
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura Essa intimidade perfeita com o silêncio Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo - Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido... Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo Essa mão que tateia antes de ter, esse medo De ferir tocando, essa forte mão de homem Cheia de mansidão para com tudo quanto existe. Resta essa imobilidade, essa economia de gestos Essa inércia cada vez maior diante do Infinito Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível Essa irredutível recusa à poesia não vivida. Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade Do tempo, essa lenta decomposição poética Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius. Resta esse coração queimando como um círio Numa catedral em ruínas, essa tristeza Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história. Resta essa vontade de chorar diante da beleza Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa Piedade de si mesmo e de sua força inútil. Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado De pequenos absurdos, essa capacidade De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil E essa coragem para comprometer-se sem necessidade. Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje. Resta essa faculdade incoercível de sonhar De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade De aceitá-la tal como é, e essa visão Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante E desnecessária presciência, e essa memória anterior De mundos inexistentes, e esse heroísmo Estático, e essa pequenina luz indecifrável A que às vezes os poetas dão o nome de esperança. Resta esse desejo de sentir-se igual a todos De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade De não querer ser príncipe senão do seu reino. Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade Pelo momento a vir, quando, apressada Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada... Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto Esse eterno levantar-se depois de cada queda Essa busca de equilíbrio no fio da navalha Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo Infantil de ter pequenas coragens.
15/04/1962
A poesia acima foi extraída do livro "Jardim Noturno - Poemas
Inéditos", Companhia das Letras - São Paulo, 1993, pág. 17.
_______________________
Cláudia Cordeiro,
professora de Literatura Brasileira no Recife (PE), escreveu ao Releituras para
dizer que havia uma outra versão dessa poesia. Foi feita uma pesquisa e localizada,
declamada pelo autor, no disco "Vinicius de Moraes - Antologia
Poética". Consta no disco que foi publicada no jornal "O
Pasquim", não sendo citado o número do exemplar nem a data. Abaixo a
versão, que julgo ser a primeira, para que os leitores conheçam.
|
O Haver
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo:
— Perdoai! — eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia de simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano, ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória...
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e sua força inútil.
Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa tola capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
E transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do Grande Medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do próprio reino.
Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo:
— Perdoai! — eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia de simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano, ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória...
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e sua força inútil.
Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa tola capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
E transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do Grande Medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do próprio reino.
Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.
O Desespero da Piedade
Meu
Senhor, tende piedade dos que andam de bonde
E
sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas
tende piedade também dos que andam de automóvel
Quantos
enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.
Tende
piedade das pequenas famílias suburbanas
E
em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
Mas
tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
E
sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina
Tende
muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
Que
só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
Mas
tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
E
que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.
Tende
imensa piedade dos músicos de cafés e de casas de chá
Que
são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas
tende piedade também dos que buscam o silêncio
E
súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.
Não
esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
E
para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
Mas
tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
E
tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.
Tende
infinita piedade dos vendedores de passarinhos
Quem
em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
E
tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
Que
amam as freguesas e saem de noite, quem sabe onde vão...
Tende
piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
Que
se efeminam por profissão mas são humildes nas suas carícias
Mas
tende maior piedade ainda dos que cortam o cabelo:
Que
espera, que angústia, que indigno, meu Deus!
Tende
piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
Quem
lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos
Mas
lembrai-vos também dos que se calçam de novo
Nada
pior que um sapato apertado, Senhor Deus.
Tende
piedade dos homens úteis como os dentistas
Que
sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
Mas
tente mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia
Que
muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.
Tende
piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
Pela
sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
Mas
tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
Fazei,
Senhor, com que deles não saiam políticos também.
E
no longo capítulo das mulheres, Senhor, tenha piedade das mulheres
Castigai
minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei
meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai
minha carne, mas tende piedade das mulheres!
Tende
piedade da moça feia que serve na vida
De
casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas
tende mais piedade ainda da moça bonita
Que
o homem molesta — que o homem não presta, não presta, meu Deus!
Tende
piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que
de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E
sonham exaltadas nos quartos humildes
Os
olhos perdidos e o seio na mão.
Tende
piedade da mulher no primeiro coito
Onde
se cria a primeira alegria da Criação
E
onde se consuma a tragédia dos anjos
E
onde a morte encontra a vida em desintegração.
Tende
piedade da mulher no instante do parto
Onde
ela é como a água explodindo em convulsão
Onde
ela é como a terra vomitando cólera
Onde
ela é como a lua parindo desilusão.
Tende
piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque
nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas
tende piedade também das mulheres casadas
Que
se sacrificam e se simplificam a troco de nada.
Tende
piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que
são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas
que vendem barato muito instante de esquecimento
E
em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.
Tende
piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De
corpo hermético e coração patético
Que
saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que
se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.
Tende
piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que
ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que
ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que
ninguém mais precisa tanto alegria e serenidade.
Tende
infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que
são crianças e são trágicas e são belas
Que
caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E
que têm a única emoção da vida nelas.
Tende
piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter
piedade de si mesma e da sua louca mocidade
E
outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava
e se desfazia em gozos de amor de carne.
Tende
piedade delas, Senhor, que dentro delas
A
vida fere mais fundo e mais fecundo
E
o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E
a loucura reside nesse mundo.
Tende
piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos
meninos velhos, dos homens humilhados — sede enfim
Piedoso
com todos, que tudo merece piedade
E
se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!
Vinícius
de Morais
O Dia da Criação
I
Hoje
é sábado, amanhã é domingo
A
vida vem em ondas, como o mar
Os
bondes andam em cima dos trilhos
E
Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.
Hoje
é sábado, amanhã é domingo
Não
há nada como o tempo para passar
Foi
muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas
por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.
Hoje
é sábado, amanhã é domingo
Amanhã
não gosta de ver ninguém bem
Hoje
é que é o dia do presente
O
dia é sábado.
Impossível
fugir a essa dura realidade
Neste
momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos
os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos
os maridos estão funcionando regularmente
Todas
as mulheres estão atentas
Porque
hoje é sábado.
II
Neste
momento
há um casamento
Porque
hoje é sábado
Hoje
há um divórcio e um violamento
Porque
hoje é sábado
Há
um rico que se mata
Porque
hoje é sábado
Há
um incesto e uma regata
Porque
hoje é sábado
Há
um espetáculo de gala
Porque
hoje é sábado
Há
uma mulher que apanha e cala
Porque
hoje é sábado
Há
um renovar-se de esperanças
Porque
hoje é sábado
Há
uma profunda discordância
Porque
hoje é sábado
Há
um sedutor que tomba morto
Porque
hoje é sábado
Há
um grande espírito-de-porco
Porque
hoje é sábado
Há
uma mulher que vira homem
Porque
hoje é sábado
Há
criançinhas que não comem
Porque
hoje é sábado
Há
um piquenique de políticos
Porque
hoje é sábado
Há
um grande acréscimo de sífilis
Porque
hoje é sábado
Há
um ariano e uma mulata
Porque
hoje é sábado
Há
uma tensão inusitada
Porque
hoje é sábado
Há
adolescências seminuas
Porque
hoje é sábado
Há
um vampiro pelas ruas
Porque
hoje é sábado
Há
um grande aumento no consumo
Porque
hoje é sábado
Há
um noivo louco de ciúmes
Porque
hoje é sábado
Há
um garden-party na cadeia
Porque
hoje é sábado
Há
uma impassível lua cheia
Porque
hoje é sábado
Há
damas de todas as classes
Porque
hoje é sábado
Umas
difíceis, outras fáceis
Porque
hoje é sábado
Há
um beber e um dar sem conta
Porque
hoje é sábado
Há
uma infeliz que vai de tonta
Porque
hoje é sábado
Há
um padre passeando à paisana
Porque
hoje é sábado
Há
um frenesi de dar banana
Porque
hoje é sábado
Há
a sensação angustiante
Porque
hoje é sábado
De
uma mulher dentro de um homem
Porque
hoje é sábado
Há
uma comemoração fantástica
Porque
hoje é sábado
Da
primeira cirurgia plástica
Porque
hoje é sábado
E
dando os trâmites por findos
Porque
hoje é sábado
Há
a perspectiva do domingo
Porque
hoje é Sábado
III
Por
todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens,
ó
Sexto Dia da Criação.
De
fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e
trevas
E
depois, da separação das águas, e depois, da
fecundação
da terra
E
depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor
fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na
verdade, o homem não era necessário
Nem
tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como
as
plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu
que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal
procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos
dias
Trinta
séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse
o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos
talvez pólos infinitamente pequenos de partículas
cósmicas
em
queda invisível na
terra.
Não
viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos
peixes
ão
seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão
nosso
de cada dia
Não
sofreríamos males de amor nem desejaríamos
a
mulher do próximo
Não
teríamos escola, serviço militar, casamento
civil,
imposto sobre a renda
e
missa de sétimo dia.
Seria
a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras
e
das
águas
em núpcias
A
paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A
pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao
revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente
dogmáticos
Precisamos
encarar o problema das colocações morais e
estéticas
Ser
sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar
amor
sem vontade
Tudo
isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia
e
sim no Sétimo
E
para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu
fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente,
isto é, muito provavelmente
Porque
era sábado.
Vinícius
de Morais
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