A notícia atiçou a curiosidade de leitores
no final do ano passado: finalmente a poesia de Caio Fernando Abreu (1948-1996)
seria reunida em livro.
Análise: Versos retratam ressaca que se deu sobre a geração de Caio Fernando Abreu
Quando morreu, aos 47 anos, Caio já era um
autor consagrado de dezenas de contos, dois romances, crônicas, peças de teatro
e artigos para jornais e revistas.
E também de centenas de poemas. Mas, fora um
ou outro verso, Caio nunca publicou sua produção poética, desconhecida mesmo
por fãs e especialistas em sua obra.
Em novembro, essa faceta oculta do escritor
esteve prestes a vir à tona. A editora Record anunciou que no dia 30 chegaria
às livrarias o livro “Poesias Nunca Publicadas de Caio Fernando Abreu”.
Organizado pelas pesquisadoras Letícia da
Costa Chaplin e Márcia Ivana de Lima e Silva, o livro, que nasceu como tese de
doutorado de Chaplin, traria 116 poemas.
O título chegou a ser distribuído para a
imprensa, mas, poucos dias depois, a editora cancelou a distribuição dos 3.000
exemplares para as livrarias. Alegou apenas que a atitude foi tomada em
“virtude de um erro editorial”.
Se o livro tivesse sido publicado, não seria
difícil para um fã de MPB detectar o erro: a página 49 trazia, como se fosse
poema de Caio, a letra de “Barato Total”, de Gilberto Gil.
Os versos da canção foram localizados pelas
organizadoras em um diário de Caio de 1976. Ao lado da letra há rostos de
mulheres desenhados com caneta preta. Um deles seria o retrato da cantora Gal
Costa, que gravou a música no disco “Cantar” (1974).
Procuradas pela reportagem, as organizadoras
não responderam aos recados até o fechamento desta edição.
A Record informou que o livro está em
processo de análise e que uma edição corrigida será lançada. A data ainda não
foi definida.
Paula Dip, autora da biografia “Para Sempre
Teu, Caio F.” (ed. Record), vai revisar o livro. Ela conta que proporá a
substituição de “Barato Total” por um poema que não integrava a versão
recolhida e o acréscimo, na introdução, de um texto que explique o erro.
Além disso, Dip quer incluir as palavras que
as organizadoras não conseguiram identificar nos manuscritos originais e que
aparecem no livro com a legenda “palavra ilegível”.
VERSOS OCULTOS
Os manuscritos dos poemas de Caio estão hoje
na PUC -RS, em Porto Alegre, que mantém seu acervo. A maior parte do material
foi doada pelo amigo e diretor de teatro Luciano Alabarse; o restante estava em
diários com a família.
O material a que as organizadoras tiveram
acesso mostra que ele escreveu poesia durante toda a carreira. Os primeiros
versos são de 1968, o último, de 1996. Curiosamente, o autor nunca manifestou
intenção de publicá-los.
“Ele era muito perfeccionista. Dizia ‘não
sou poeta, escrevo poesia muito mal’. Ele se via mesmo como contista”, diz Dip,
que foi amiga do autor.
Apesar disso, seus contos e poemas têm forte
ligação. Nos dois casos sobressaem temas como a solidão e o desencanto. As
referências musicais são outro ponto em comum.
Caio usou trechos de letras de Caetano
Veloso e citou músicos como Tom Jobim em alguns poemas. À intérprete de “Barato
Total” ele dedicou, além de desenho no diário, um verso do poema “Rômulo”:
“Fomos ver o show da Gal cantando deixa sangrar”.
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