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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Entrevista - Mário Quintana

Por que tanto carinho por estes dois livros?

Porque escrevi para crianças. O Pé de Pilão ele é uma festa de rimas, veja: Olha a Gabriela com cara de panela; (mostra outro livro) esse é o Batalhão das Letras; nele brinco com as palavras, mostro a influência dos nossos “irmanitos argentinos”, quando chamam o W de Double vê. Veja aqui na introdução: aqui vão todas as letras desde o A até o Z pra você fazer com elas o que esperam de você; com o X se escreve xícara, com o X se escreve xixi, não faça xixi na xícara! O que irão pensar de ti. (Risos)

A  criança – indaguei – tem um lugarzinho especial no seu coração, não?!

Ah, sim. Sempre terá, pois é um amor bem correspondido; um dos momentos gratificantes da minha vida, aconteceu quando eu estava no Ponto do Café, uma guriazinha atravessou a rua só para falar comigo. Eu perguntei: queres um sorvete? Ela me respondeu: “Não, vim até aqui só para te dar um oizinho”. Senti-me premiado. Elas são absolutamente sinceras. Essa sinceridade deixa de existir quando entra na idade da diplomacia; a idade adulta; isto acontece em virtude de o adulto dirigir sua educação. Os professores e os pais, em vez de adultificá-las, as adulteram.

O senhor tem confessado que sua vida está nos seus poemas até mesmo as vírgulas. Os livros infantis, também são frutos da sua vivência na infância?

Minha vida foi por detrás de uma vidraça, fui muito doente. Mas isto não impediu que eu tivesse brincadeiras. Sou de sete meses, também não quer dizer nada. Não gostava de dizer isso, achava que não estava pronto. (Risos). Depois descobri grandes nomes nascidos de sete meses. Isaac Newton foi um deles, aí  mudei de idéia.

Essa diplomacia desacreditada do adulto faz com que o amor natural do homem fique menos correspondido nos dias de hoje?

Claro! Mesmo assim, acredito que sempre haverá lugar para o amor. Violência sempre houve. Relativamente há menos violência do que antes. No meu tempo de rapaz, aqui em Porto Alegre, a questão social era caso de polícia. As praças eram marcadas pelas patas dos cavalos. Pelo menos, agora, existem espaços para o pessoal fazer comícios nos degraus da Assembléia. De maneira que a liberdade é maior. Apesar de tudo, o mundo está melhorando. Afinal não podemos voltar à era das cavernas.

Deixemos a violência de lado e falemos da preguiça, essa coisa gostosa, bastante reconhecida nos seus versos como fonte de produção: “A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda...” No seu caso, a preguiça funciona como método de trabalho?

Mas é claro! No momento que estou curtindo a preguiça é que a poesia vem. Não resta dúvida, a cabeça está funcionando. E preciso desta ociosidade e silêncio para a inspiração chegar. O que prejudica minha preguiça prejudica o meu trabalho.

Tem algum livro novo a caminho?

Acabei de entregar ao editor um novo livro de poema. Alertei ao editor que não gosto de publicar coisas póstumas.

Que brincadeira é essa? O senhor mesmo disse que quem compra bilhete da loteria compra esperança.

Tenho esperanças e muitas. Faço projetos a longo prazo. Faço assinaturas de bilhetes, jogo na loto, no bicho. (Risos). Desafio qualquer delegado do mundo que tenha encontrado um bilhete de loteria no bolso de um suicida, um bilhete que esteja para correr no dia seguinte. Ele espera, ao menos para comprar um revólver de ouro. Num tom de brincadeira, ele aponta para uma de suas secretárias (Mara) e diz: “Essa moça, eu ganhei na loteria”.

Mas como? – disse eu – aqui no Sul se ganha moça bonita na loteria?

Ele ri e diz? “já lhe explico: Sabe como? Ela trabalhava numa casa lotérica, onde sempre compro meus bilhetes. Um belo dia a convidei para trabalhar comigo. Ela aceitou, A outra (Sandra) foi diferente, ela apareceu por aqui, num dia de ventania. Aos treze anos tivemos uma conversa que me deixou admirado pelas suas perguntas. Depois veio trabalhar comigo”.

O príncipe encantado vacilaria em escolher uma delas, não acha?

Sim! Concordo com você. Eu não saberia indicar uma delas, para o príncipe.

Mesmo lembrando do conselho do livreiro, não resisti e perguntei-lhe: - Por falar em mulheres, o senhor teve grandes amores?

Tive três, sérios... (pensativo como quem viaja pelo tempo passado, diz). Fui quase noivo.

Desses nenhum balançou seu coração a ponto de casar?

Não me deram tempo. (Risos)

O casamento pode ser uma saída para a solidão?

Prefiro a solidão, propriamente dita. Mas o que dá na cabeça do homem fazer, pode dar bem, embora seja errado.

São 83 anos de experiências, mesmo assim o senhor parece não gostar de aconselhar as pessoas.

Como dar conselhos se eu não tenho competência para julgar se as pessoas estão no caminho errado? Não dou conselhos e tampouco gosto de ser aconselhado.

Surge o convite para um cafezinho. Ele comenta ser um inveterado tomador de café:

“Tomo café aos borbotões.”

 Mas como, tchê! – brinco com ele – gaúcho que é gaúcho toma é chimarrão.

Sou gaúcho – retrucou ele – mas não sou fanático. (Risos).

Também não dançaste o fandango?

“... Churrasco e um bom chimarrão (sátira ele cantando essa canção da terra), fandango, trago e Mulher. É disso que o velho gosta é isso que o velho quer...”

Ele é o próprio retrato do gaúcho fanático. Ainda noutro dia – comentei – na fronteira de Uruguaiana com Passo de Los Libres (Argentina), um desses típicos gaúchos dizia ser o gaúcho mais macho dos brasileiros. E disse mais ainda, mostrando uma unha encravada: “A dor que estou sentindo agora (gozando os demais presentes), brasileiro nenhum suporta chorando...”

Veja só, disse Mário, esse sim, é índio velho...

As pessoas encaram assim. Isto me lembra um fato ocorrido comigo no Rio de Janeiro. Com dois dedos destroncados, fui mostrar a um massagista. Ele prontificou-se a colocá-los no lugar. Perguntei se não doía. A sua resposta foi esta: “Ué, mas o senhor não é gaúcho?”. Dei a ele a mesma resposta que lhe dei: Sou gaúcho mas não sou fanático. (Risos).

Qual dos brasileiros se parece mais com os gaúchos?

Acho os pernambucanos, pela maneira de falar cantando, pausadamente. Por ocasião de uma visita a Recife, uma jornalista me perguntou se eu conhecia outras regiões do Nordeste. Respondi que conhecia do Rio de Janeiro para baixo. Ela, surpresa, exclamou: “Ó xente! Então tu não conheces o Brasil.”

Uai! Então não conheces a terras das alterosas?

Infelizmente conheço pouco de Minas, estive em Belo Horizonte de passagem. Gostaria muito de saber mais dos mineiros. Carlos Drummond foi o nosso poeta mais completo. Há pouco tempo li alguns poemas de Adélia Prado. Gostei muito.

Não é querer ser bairrista, não, mas concordo com a jornalista pernambucana, desde que ela aceite a idéia de que o Brasil mais brasileiro começa lá pelas bandas de Minas Gerais para cima.

Concordo com você, porque aqui é uma salada de frutas, embora tenha belas frutas. (Risos).

Gostaria de saber mais de sua obra, mas como fazer perguntas neste sentido, se ele certa vez disse: “O idiota estilo bilu-bilu com que os adultos se dirigem às crianças, isso deve chateá-las enormemente, como a um poeta quando abordado com assuntos poéticos.” O desejo venceu e fui feliz. Veja pela descontração em suas respostas como a desta: já ouvi há tempos atrás, alagação sua de que a poesia era uma reflexão imaginária, acumulada no cérebro do homem. Essa idéia, parece ter passado por transformações, prova disto, são as constantes reflexões filosóficas em suas crônicas poéticas. Existe alguma preocupação no sentido desta mudança?

Não sei se me preocupa é sem querer. Naturalmente pode acontecer de brotar mensagens líricas ou filosóficas. Não tenho a preocupação de fazer tal coisa planejada.

Como é o seu estado de espírito, ao fazer um poema?

Disse certa vez, que minha loucura está dançando em cima do meu telhado, ou escondida de medo, embaixo de minha cama. Enquanto isso , estou sentado na minha cadeira, escrevendo, calmamente esse poema, sobre ela. Para mim, sabe o que é poesia? É uma loucura lúcida.

Nesse momento, a loucura sobrepõe a razão, e como o senhor já disse, fica sem compromisso com o mundo real?

É isso aí. É o louco que assume sua loucura, ele sabe que é louco!

Fico curioso para saber como são feitos esses poemas encomendados, com data marcada. É possível forjar um momento desta loucura?

Vou responder com um poema meu: um poema sempre me pareceu algo assim como um pássaro engaiolado... E que para apanhá-lo vivo, era preciso um cuidado infinito. Um poema não se pega a tiro. Nem a laço, nem a grito. Não, o grito é o que mais o espanta. Um poema, é preciso esperá-lo com paciência e silenciosamente como um gato. É preciso que lhe armemos ciladas: com rimas, que são alpistes; há poemas que só se deixam apanhar com isto. Outros que só ficam presos atrás das catorze grades de um soneto. É preciso esperá-lo com assonâncias e aliterações, para que ele cante. É preciso recebê-lo com ritmo, para que ele comece a dançar. E há os poemas livres, imprevisíveis. Para esses é preciso inventar, na hora, armadilhas imprevistas.

Qual desses momentos lhe marcou mais?

Embora, às vezes não seja lá grandes coisas, marca mais aquele primeiro poema que a gente faz. É o encontro com a poesia, esse encontro é emocionante!

E o poema, qual foi?

Não lembro mais. Mas posso lhe assegurar que provavelmente não prestava, por isso não guardei. Agora, o momento foi maravilhoso.

“Houve um assalto enquanto uma família assistia a novela”. As novelas tornaram-se mito, na vida das pessoas, hoje elas são uma maneira de fugir da realidade, ou melhor, enquanto as pessoas curtem com os problemas dos outros na tela, esquecem-se dos seus problemas. Esta frase é uma crítica às novelas...

Tenho pavor às novelas dramalhão por dramalhão, porque não os de Shakespeare? Afinal, aquelas histórias pertenciam a vários teatros, e Shakespeare nas suas companhias, dosava com poemas. Tomo todo o cuidado para não telefonar a uma dona-de-casa na hora da novela.

Sabendo ser ele um dos maiores fás da Bruna Lombardi, perguntei-lhe se, mesmo fazendo ela parte do elenco, ele não assistiria. Ao que ele respondeu:

“A Bruna é minha mascote. Mascote porque ela é portátil, cabe dentro do meu coração. (Risos). Ah! aqueles sus ojos de sulfato de cobre son mui amigos.”

A Bruna seria uma das poucas pessoas a conseguir burlar a sua maneira de esquivar aos comentários de poemas alheios? Ele dá uma risadinha e responde):

A poesia da Bruna é extraordinária. No seu livro O Perigo do Dragão, que é ótimo, tem um poema Uma mulher, onde revela a mulher nua, tal como é, sem enfeites.

O futuro literário dela está garantido?

Sim, tem muito futuro. Ela é uma grande poeta, não digo poetisa porque dá a impressão de senhora prendada. (Risos).

Uma pergunta como de pai para filho: como andam suas leituras?

Em dia. Leio bastante. Gosto muito de ler poemas. Quando descubro um bom poeta, fico tão feliz como se fosse eu o autor.

A safra poética tem sido boa?

Surgem alguns bons trabalhos.

E é possível produzir poetas?

Pra mim, escola de fazer poetas é como um navio a caminho do naufrágio sem sobreviventes. Antes isso acontecia, hoje a situação parece ter mudado. Cada um embarca individualmente em seu barquinho. A meu ver, o poeta não deve aderir a nenhuma escola poética, senão poderá estar se internando, voluntariamente, num asilo de incuráveis. E nem tão pouco filiar-se às academias de letras.

Oh Mário, tem gente aí, achando loucura sua recusar um cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Loucura minha seria entrar lá. Os meus verdadeiros amigos não devem insistir na apresentação de meu nome. O não é definitivo.

Demonstrando-se chateado por ter relembrado este assunto, pede um cigarro. Para não deixar o bom humor do poeta cair, tento fazer um trocadilho. Isso aí, é um veneno, em doses homeopáticas.

É um veneno muito lento – concordou ele. Fumo desde a idade dos 14 anos. Fumar pra mim é um jeito de queimas as ilusões perdidas. Daí, esse ar entre aliviado e triste dos fumantes solitários.
Observa pra você ver que nenhum deles fuma sorrindo.

Qual o livro que o senhor está lendo?

Já passei da época de ler. Agora estou é relendo, como por exemplo Machado de Assis. Aos 15 anos devorei Dostoievski, entre outras coisas metafísicas. Naquela época queria decifrar o mistério da alma, o sentido da vida, a finalidade do mundo.

Algum motivo especial pelas obras de Machado de Assis?

Ele é um escritor que marcou sua época. Sua obra é universal. Tem gabarito e poder para competir com obras de qualquer tempo.

O senhor disse ler mais de um livro ao mesmo tempo, qual o outro?

Estou revendo os poemas de Guillaume Apollinaire, um poeta francês que gosto muito, parece comigo.

Mário, li um comentário seu, onde aparece uma citação de Lavoisier: “nada se perde, tudo muda de dono”. Coincidência ou não vocês dois já foram roubados. Aliás, Lavousier afirmou isto, referindo-se ao assalto que sofreu...

Levaram todo o meu dinheiro. Ele deve estar circulando de mãos em mãos. Afinal, como disse Lavoisier, tudo muda de dono. Não resta dúvida que ser assaltado é bastante constrangedor.

“Há noites em que não durmo de nervoso por tudo que deixei de cometer”. É muito comum ouvir as pessoas maduras, dizerem coisas parecidas com esse desabafo... 

Esse pensamento me vem à cabeça, quando penso naquele tempo em que eu poderia ter sido mais ousado, coisa que não fui. (Faz uma pausa, demonstrando reviver algo e, completa). A gente sempre deixa pra depois, e, aí, fica tarde demais.

Duas citações suas interessantes: “Rezar é uma falta de fé. Nosso Senhor bem sabe o que está fazendo”. “Imagine um São Francisco de Assis que fosse ateu... Não seria mais santo?” – Qual é a sua religião?

Pertenço à religião cristã.

Mas, uma das práticas desta religião, segundo a doutrina da Igreja, é a oração, senão corre-se o risco de não ganhar o céu.

É, mas não rezo. Não é muito mais interessante fazer o bem na Terra sem acreditar no Céu?

Alguma vez, já lhe passou pela cabeça mudar de religião? Buscar outras explicações?

Pra quê? Mudar de religião é mudar de dúvidas.

O senhor duvida da existência de Deus?

Vou lhe confessar uma coisa: só acredito na segunda pessoa da Santíssima Trindade – Jesus Cristo – porque há evidências históricas que ele viveu entre nós. Quanto ao Pai e ao Espírito Santo eu não sei... Quando o homem desaparecer, que será das coisas, que será de Deus? A sobrevivência humana é que assegura a existência do mundo. Veja bem, uma coisa só existe quando a gente tem consciência dela. Agora, acredito que ele (o homem) nunca vai desaparecer porque ele necessita de que o outro tenha consciência da existência dele. Já disse: Deus nos prometeu a vida eterna, mesmo porque, se não fôssemos nós, o que seria dela? Um Deus dos hipopótamos, das aranhas, das lagartixas?

Isto significa que na sua cabeça não existe lugar para preocupação com o fim do Mundo?

Existe toda uma preocupação em torno dos milênios. Com a chegada do ano 2000 surge a velha mania ou superstição do Mundo acabar. Antes do Ano Mil já se pensava nisto. Tanto que, para adiantar serviços, muitos se matam antes. Não sou nenhum Nostradamus, portando nunca se saberá coisa alguma deste fim. É como a transformação da cara da gente, que muda muitas vezes durante a vida. E assim vai...

A verdade é que os bichos quando imitam as pessoas, perdem toda dignidade. Isto é um sintoma de desilusão do homem?

Não é desilusão. É que os animais são mais naturais, mais sublimes. Ah, sem dúvida a mulher! (Dá boas gargalhadas, ao notar o espanto das mulheres presentes). Viu só, o espanto delas? Mas é mesmo, gurias! Elas judiam da gente. Fazem-nos sofres. Maltratam nosso coração de maneira especial. (Faz uma pausa e completa). Bom, já estou cansado. Vamos parar por aqui senão a gente acaba falando besteiras.

A convite dele fomos conhecer seus aposentos. Logo na entrada do quarto, nos são apresentado três pôsteres da parede da cabeceira de sua cama: Cecília Meireles, Bruna Lombardi e Greta Garbo. Interroguei, num tom de brincadeira: são os três amores sérios de sua vida? E ele sorrindo, responde: “Não, são meus amores platônicos.”

No final da entrevista perguntei-lhe qual a mensagem que mandaria para os mineiros. Ele disse: “Diga a eles que não acreditem em mensagem nenhuma, nem nas minhas. E que cada um decida seus próprios passos. Agora, se os caminhos deles forem tortos eu não tenho culpa. (Risos).

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