A obra narra a viagem de Pedro em um ônibus
lotado, a caminho da casa de sua namorada, localizada em uma violenta periferia
de cidade grande. Durante o percurso, o protagonista reflete sobre sua vida e
sobre as outras vidas que, assim como a sua, dependem diariamente daquele transporte
deficitário. No final da viagem, Pedro desembarca com um novo conhecimento das
coisas ao seu redor.
Nascido no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro
de 1956, Rubens estreou na literatura em 1986, com a publicação do romance O Mistério da Samambaia Bailarina.
Além de escritor, Rubens é professor de
português do ensino médio e tradutor do inglês, do espanhol e do russo para o
nosso idioma.
Na entrevista abaixo, concedida ao
SaraivaConteúdo, Rubens fala sobre as dificuldades que encontrou para escrever Passageiro
do Fim do Dia, além de comentar a importância social da literatura e de suas
demais atividades como professor e tradutor.
Como surgiu a ideia de escrever a história
de um cidadão comum, que relembra momentos de sua vida na volta para casa?
A ideia original era
escrever sobre os processos que produzem e reproduzem a desigualdade, que a
legitimam em nosso pensamento e tentam impedir que a vejamos como uma injustiça
e uma brutalidade banalizada pela mera repetição, como algo construído no dia a
dia, em parte à nossa própria revelia. Era preciso investigar situações
cotidianas e banais em que aqueles processos agem e se concentram. A viagem
diária de ônibus do trabalho para casa me pareceu propícia para isso. Permitia
também imprimir certa mobilidade à narrativa, no espaço e no tempo.
Além de concentrar um certo número de
personagens num espaço reduzido e num tempo compacto.
Quanto tempo demorou o processo de criação
de Passageiro do Fim do Dia?
Acho que devo ter
ficado uns quatro anos fazendo o livro. O engraçado é que talvez tenha ficado
mais tempo pensando no que escrevia do que escrevendo propriamente. Eu pensava
e depois refazia tudo, avançava um pouco, parava para pensar e refazia de novo.
Sentiu alguma dificuldade no desenvolvimento
da obra?
Muita. É mais
difícil do que se imagina encontrar os meios adequados para tratar, num
romance, de um assunto que a própria sociedade se empenha em esquecer. Uma
questão cujo aspecto de fundo (a legitimidade de destruir a vida de muitos para
preservar alguns excessos de poucos) constitui o verdadeiro tabu de nosso
cotidiano. As incríveis dificuldades e as complicações que surgem em nosso
pensamento toda vez que tentamos questionar essa situação me pareceu, por si
só, constituir um tema rico para meu livro.
O livro descreve uma realidade comum a
diversos brasileiros que vivem nas periferias urbanas. Além de enfrentarem
as dificuldades de uma região violenta, os personagens encaram um
transporte público deficitário para chegarem até ela. Você acredita que as
mazelas sociais do país vêm sendo bem exploradas pela literatura?
Creio que a
literatura (não só do Brasil) ganharia bastante se fosse encarada como uma
forma de ampliar nosso conhecimento dos processos que regem a sociedade. Se não
tiver esse fundo crítico, a literatura corre sério risco de ser irrelevante,
por mais sucesso que faça.
Você diz só escrever quando tem algo
relevante a dizer. Como você julga o que é ou não relevante?
Acho que da mesma
maneira como qualquer um julga essa questão. Aquilo que parece ter mais peso,
alcance e abrangência deve ser mais relevante. Supor que cada indivíduo é, por
definição, um sujeito livre e que suas opções valem tanto quanto outras
simplesmente por serem suas, além de me parecer uma ilusão, compreende, em
última análise, um hino ao poder e à força.
Além de escrever ficção, você atua como
tradutor do russo para o português. Como surgiu o interesse pela língua
russa e a possibilidade das traduções?
É uma longa
história. Vou resumir. Estudei russo na Faculdade de Letras da UFRJ, entre 1974
e 1978 e depois em 1981 e 1982. Gostava dos escritores e houve, talvez, mais
alguns motivos (eu temia não ser aprovado no vestibular para outras
especialidades e estávamos na ditadura civil-militar: estudar russo por si só
tinha algo de contestador). As traduções começaram quando a editora Cosac, por
meio do editor Augusto Massi, me procurou para fazer traduções do inglês, pois
eu já as fazia havia dez anos. Sugeri, em troca, fazer traduções do russo. Ele
pensou um minuto, aceitou e fomos em frente.
Você também faz traduções do inglês e do
espanhol para o português. Como leitor, você prefere a literatura de qual
idioma e por quê?
Como leitor, prefiro
ler em português. Me identifico com o idioma, faz parte de minha vida.
Qual dessas literaturas te influencia mais e
por quê?
A literatura russa
marca mais. Sua relação com a sociedade difere a fundo do tipo de relação que a
literatura de nosso tempo adotou (ou foi levada a adotar). Isso lhe dá um
conteúdo e um alcance muito mais interessantes, além de uma liberdade que às
vezes até pode nos assustar.
O trabalho como tradutor te auxilia de
alguma forma como criador?
O trabalho do
escritor também pode ser encarado como uma tradução. Imagens, impressões,
emoções, expectativas, idéias, na maioria das vezes, não se apresentam em forma
de linguagem verbal. O escritor tenta traduzi-las em seu idioma, em palavras,
frases, parágrafos. A rigor, a tradução faz parte de toda prática da língua,
mesmo em nosso cotidiano mais corriqueiro.
Como você divide seu tempo entre as
traduções e as criações literárias?
Puxa, eu divido como
posso! Não consigo fazer muitos esquemas. Só sei que apenas consigo escrever
alguma coisa quando as experiências, as impressões e os pensamentos se
acumularam na minha cabeça, ganharam uma certa densidade e começaram a sugerir
uma espécie de forma e direção. Nessa hora, há uma espécie de pressão interna e
parece que está na hora de escrever.
Você também é professor de português no
ensino médio. Dentre todas suas atividades, qual é aquela que te propicia
mais prazer: traduzir, lecionar ou ficcionar?
Dou aula no ensino
médio e supletivo do nível fundamental, no turno da noite, há 27 anos. E essa é
a atividade que me dá maior satisfação.
Por Marcos Fidalgo