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sábado, 17 de novembro de 2012

Rubens Figueiredo fala dos trabalhos como escritor, tradutor e da atividade que lhe dá maior satisfação: a de professor

“Não ver, não entender e até não sentir. E tudo isso sem chegar a ser um idiota e muito menos um louco aos olhos das pessoas.” É assim que Rubens Figueiredo inicia Passageiro do Fim do Dia, eleito o melhor livro do ano pelos júris dos prêmios Portugal Telecom e São Paulo de Literatura.

A obra narra a viagem de Pedro em um ônibus lotado, a caminho da casa de sua namorada, localizada em uma violenta periferia de cidade grande. Durante o percurso, o protagonista reflete sobre sua vida e sobre as outras vidas que, assim como a sua, dependem diariamente daquele transporte deficitário. No final da viagem, Pedro desembarca com um novo conhecimento das coisas ao seu redor.

Nascido no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1956, Rubens estreou na literatura em 1986, com a publicação do romance O Mistério da Samambaia Bailarina.

Além de escritor, Rubens é professor de português do ensino médio e tradutor do inglês, do espanhol e do russo para o nosso idioma.

Na entrevista abaixo, concedida ao SaraivaConteúdo, Rubens fala sobre as dificuldades que encontrou para escrever Passageiro do Fim do Dia, além de comentar a importância social da literatura e de suas demais atividades como professor e tradutor.

Como surgiu a ideia de escrever a história de um cidadão comum, que relembra momentos de sua vida na volta para casa?

A ideia original era escrever sobre os processos que produzem e reproduzem a desigualdade, que a legitimam em nosso pensamento e tentam impedir que a vejamos como uma injustiça e uma brutalidade banalizada pela mera repetição, como algo construído no dia a dia, em parte à nossa própria revelia. Era preciso investigar situações cotidianas e banais em que aqueles processos agem e se concentram. A viagem diária de ônibus do trabalho para casa me pareceu propícia para isso. Permitia também imprimir certa mobilidade à narrativa, no espaço e no tempo.
Além de concentrar um certo número de personagens num espaço reduzido e num tempo compacto.

Quanto tempo demorou o processo de criação de Passageiro do Fim do Dia?

Acho que devo ter ficado uns quatro anos fazendo o livro. O engraçado é que talvez tenha ficado mais tempo pensando no que escrevia do que escrevendo propriamente. Eu pensava e depois refazia tudo, avançava um pouco, parava para pensar e refazia de novo.

Sentiu alguma dificuldade no desenvolvimento da obra?

Muita. É mais difícil do que se imagina encontrar os meios adequados para tratar, num romance, de um assunto que a própria sociedade se empenha em esquecer. Uma questão cujo aspecto de fundo (a legitimidade de destruir a vida de muitos para preservar alguns excessos de poucos) constitui o verdadeiro tabu de nosso cotidiano. As incríveis dificuldades e as complicações que surgem em nosso pensamento toda vez que tentamos questionar essa situação me pareceu, por si só, constituir um tema rico para meu livro.

O livro descreve uma realidade comum a diversos brasileiros que vivem nas periferias urbanas. Além de enfrentarem as dificuldades de uma região violenta, os personagens encaram um transporte público deficitário para chegarem até ela. Você acredita que as mazelas sociais do país vêm sendo bem exploradas pela literatura?

Creio que a literatura (não só do Brasil) ganharia bastante se fosse encarada como uma forma de ampliar nosso conhecimento dos processos que regem a sociedade. Se não tiver esse fundo crítico, a literatura corre sério risco de ser irrelevante, por mais sucesso que faça.

Você diz só escrever quando tem algo relevante a dizer. Como você julga o que é ou não relevante?

Acho que da mesma maneira como qualquer um julga essa questão. Aquilo que parece ter mais peso, alcance e abrangência deve ser mais relevante. Supor que cada indivíduo é, por definição, um sujeito livre e que suas opções valem tanto quanto outras simplesmente por serem suas, além de me parecer uma ilusão, compreende, em última análise, um hino ao poder e à força.

Além de escrever ficção, você atua como tradutor do russo para o português. Como surgiu o interesse pela língua russa e a possibilidade das traduções?

É uma longa história. Vou resumir. Estudei russo na Faculdade de Letras da UFRJ, entre 1974 e 1978 e depois em 1981 e 1982. Gostava dos escritores e houve, talvez, mais alguns motivos (eu temia não ser aprovado no vestibular para outras especialidades e estávamos na ditadura civil-militar: estudar russo por si só tinha algo de contestador). As traduções começaram quando a editora Cosac, por meio do editor Augusto Massi, me procurou para fazer traduções do inglês, pois eu já as fazia havia dez anos. Sugeri, em troca, fazer traduções do russo. Ele pensou um minuto, aceitou e fomos em frente.

Você também faz traduções do inglês e do espanhol para o português. Como leitor, você prefere a literatura de qual idioma e por quê?

Como leitor, prefiro ler em português. Me identifico com o idioma, faz parte de minha vida.

Qual dessas literaturas te influencia mais e por quê?

A literatura russa marca mais. Sua relação com a sociedade difere a fundo do tipo de relação que a literatura de nosso tempo adotou (ou foi levada a adotar). Isso lhe dá um conteúdo e um alcance muito mais interessantes, além de uma liberdade que às vezes até pode nos assustar.

O trabalho como tradutor te auxilia de alguma forma como criador?

O trabalho do escritor também pode ser encarado como uma tradução. Imagens, impressões, emoções, expectativas, idéias, na maioria das vezes, não se apresentam em forma de linguagem verbal. O escritor tenta traduzi-las em seu idioma, em palavras, frases, parágrafos. A rigor, a tradução faz parte de toda prática da língua, mesmo em nosso cotidiano mais corriqueiro.

Como você divide seu tempo entre as traduções e as criações literárias?

Puxa, eu divido como posso! Não consigo fazer muitos esquemas. Só sei que apenas consigo escrever alguma coisa quando as experiências, as impressões e os pensamentos se acumularam na minha cabeça, ganharam uma certa densidade e começaram a sugerir uma espécie de forma e direção. Nessa hora, há uma espécie de pressão interna e parece que está na hora de escrever.

Você também é professor de português no ensino médio. Dentre todas suas atividades, qual é aquela que te propicia mais prazer: traduzir, lecionar ou ficcionar?

Dou aula no ensino médio e supletivo do nível fundamental, no turno da noite, há 27 anos. E essa é a atividade que me dá maior satisfação.

Por Marcos Fidalgo

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