Até pouco tempo atrás, os tumores de boca e
de garganta eram tipicamente associados a pacientes com mais de 50 anos e
histórico de consumo pesado de álcool e tabaco. Mas, nos últimos anos, estudos
epidemiológicos têm apontado uma emergência de casos em pessoas jovens que
nunca fumaram ou beberam – a maioria deles associada à infecção pelo papiloma
vírus humano (HPV).
A mudança no perfil dos afetados por esse
tipo de câncer tem grandes implicações nos programas de prevenção, detecção
precoce e também no tratamento da doença.
O tema foi abordado pelo médico Luiz Paulo
Kowalski, diretor do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e
Otorrinolaringologia do Hospital A.C. Camargo, nesta quinta-feira (13/12),
durante o evento "Fronteras de la Ciencia - Brasil y España en los 50
años de la FAPESP".
“Levantamentos anteriores feitos no Brasil
apontavam uma prevalência de infecção pelo HPV menor que 2% nos pacientes com
câncer de cabeça e pescoço. Mas um estudo nosso publicado em 2012 mostra que em
pacientes jovens com tumores de boca a prevalência é de 32%. Isso é bem alto”,
contou Kowalski à Agência FAPESP.
Foram comparadas 47 amostras de tumores de
pacientes com menos de 40 anos e 67 amostras de pacientes com mais de 50 anos.
Entre os mais velhos, o índice de infecção pelo HPV foi de 8%. Os resultados da
pesquisa, realizada com apoio da FAPESP, foram publicados no International
Journal of Cancer.
“Nos dois grupos, o estágio da doença era
parecido, a localização do tumor era semelhante e, ainda assim, os pacientes
jovens HPV positivos tinham taxa de sobrevida melhores que os demais”, contou
Kowalski.
Esse achado reforça dados de estudos
anteriores que apontam um melhor prognóstico para pacientes HPV positivo.
“Parece ser um tumor diferente, com comportamento mais localizado e menos
agressivo. Em geral, os pacientes respondem melhor ao tratamento”, disse.
Em outra investigação em andamento, estão
sendo comparados 23 pacientes com câncer de orofaringe (amígdala) atendidos no
Hospital A.C. Camargo com 10 pacientes atendidos no Hospital do Câncer de
Barretos, no interior de São Paulo.
O objetivo é identificar marcadores de
resposta ao tratamento, mas ao fazer a avaliação da presença do HPV os
pesquisadores encontraram um dado interessante: enquanto 78% dos pacientes da
capital são positivos para a presença do vírus, todos os voluntários de
Barretos foram negativos.
“Provavelmente essa diferença se deve ao
fato de que na capital as pessoas aderiram mais às campanhas antifumo e hoje
bebem menos do que antigamente. Já no interior, os hábitos mudaram menos. Além
disso, o comportamento sexual na capital também está mais diferente e isso é um
dos fatores ao qual se atribui o aumento da ocorrência dos casos de câncer
associados ao HPV”, explicou Kowalski.
"A discrepância nos índices de infecção
pelo vírus, mais uma vez, se refletiu nos resultados terapêuticos alcançados em
cada grupo negativo, e a resposta terapêutica é muito pior”, disse.
A pesquisa está sendo realizada no âmbito do
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Oncogenômica do Hospital
A.C. Camargo, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT)
apoiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
Mudança de paradigma
Há 20 anos, o panorama para um jovem com
câncer de cabeça e pescoço era muito ruim. “Em geral, eram pessoas que
começaram a fumar e beber muito cedo. Tinham más condições nutricionais, um
estado físico muito comprometido e tumores muito agressivos”, contou Kowalski.
Hoje, por outro lado, um paciente jovem, HPV
positivo, sem histórico de consumo pesado de álcool e cigarro tem grandes chances
de sobreviver ao tratamento e de voltar à vida normal.
Para Kowalski, essa mudança de paradigma
exige a revisão dos programas de prevenção e detecção precoce da doença, muito
focados em cuidados com a boca e em pacientes fumantes e etilistas. “Agora temos
de nos preocupar com todas as pessoas. Mesmo quem não fuma e não bebe pode
estar em risco”, disse.
Além disso, segundo o médico, é preciso
lutar pela institucionalização de campanhas de vacinação contra o HPV para
meninas e também para meninos.
“Embora existam mais de 200 variações de
HPV, a maioria dos casos de câncer de orofaringe está associada aos tipos 16 e
18, contra os quais a vacina é capaz de proteger. É a melhor forma de prevenir
a doença no futuro”, destacou Kowalski.
Fonte: Agência Fapesp
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