Foi encontrado um rascunho de um dos mais
célebres poemas antibelicistas de Siegfried Sassoon (1886-1967), poeta e
capitão do Exército britânico, revelando que os versos mais controvertidos
foram cortados e outros foram suavizados antes de o poema ser publicado.
O manuscrito de “Atrocities” –que trata da
matança brutal de prisioneiros alemães por soldados britânicos– é acompanhado
por uma carta inédita em que Sassoon fala do horror que sentiu ao descobrir que
soldados de seu lado tinham cometido tais barbáries.
A versão original do poema inclui as frases
“vocês são hábeis assassinos” e “sorver o sangue deles em sonhos vampirescos”,
deletadas mais tarde.
Depois da descrição de prisioneiros
“massacrados”, na primeira estrofe, a segunda estrofe impressa prossegue: “Como
você deu cabo deles…?”. Mas, na versão inicial, Sassoon escreveu: “Como você os
matou…?”.
O editor de Sassoon hesitou em incluir
“Atrocities” no livro de poemas de guerra “Counter-Attack”, de 1918, e o poema
foi publicado no ano seguinte em versão revista.
Na carta que acompanha o rascunho do poema,
Sassoon expressa desespero pelo fato de “canadenses e australianos divulgarem
suas façanhas como assassinos”, acrescentando: “Sei de casos muito atrozes.
Outro dia um oficial de um regimento escocês estava me presenteando com
histórias de como seus homens colocavam bombas nos bolsos de prisioneiros e
então os enfiavam em buracos de bomba cheios de água. Mas é claro que essas
coisas não são atrocidades quando nós a fazemos. Mesmo assim, revelam o que é a
guerra; algumas pessoas não conseguem impedir-se de ser assim quando estão lá
fora.”
Os materiais encontrados estão entre mais de
520 manuscritos de poemas e retratos de poetas colecionados ao longo de 40 anos
por um estudioso literário, Roy Davids, e serão leiloados pela Bonhams, que
descreve a coleção como a melhor coletânea de poesia jamais oferecida em
leilão.
Entre os materiais de Sassoon há um caderno
com quase 50 poemas ainda inéditos.
Datados em sua maioria da década de 1920,
eles incluem “Companions” (Companheiros) (“O silêncio e a solidão são meus
companheiros / Mas sou autodidata em estar só…”), “The Fear of Death” (O medo
da morte) (“Corra como o vento para encontrá-la em sua mente / E você verá que
já não se choca / Com a morte, a quem a vida supera em coragem com cada
respiração…”) e “Max Gate”, lamentando a morte de Thomas Hardy, seu amigo.
TESOURO
Sassoon recebeu a Cruz Militar, mas os
horrores que viveu o levaram a jogar sua medalha no rio Mersey e recusar-se a
continuar prestando o serviço militar. Diagnosticado como traumatizado de
guerra, deixou de ser submetido à corte marcial e foi internado para tratamento
psiquiátrico no Hospital de Guerra
Craiglockhart, em Edimburgo, de onde, em
1917, enviou a carta inédita a seu amigo C.K. Ogden, psicólogo e editor da
“Cambridge Magazine”, que publicava opiniões dissentes sobre a guerra.
A biógrafa de Sassoon, Jean Moorcroft
Wilson, comentou: “Estes são materiais muito instigantes. Quero reescrever a
biografia que fiz, e provavelmente conseguirei incluir alguns destes textos.
São um tesouro.”
A respeito do rascunho de “Atrocities”, ela
comentou: “A editora, Heinemann, não o deixou publicar o poema. Agora entendo
ainda mais claramente por quê. Ogden era um dos poucos editores que ousavam
publicar poemas contrários à guerra. A sede de sua revista foi depredada por
pessoas que achavam que ele não era patriota. E havia censura, de certo modo. O
editor deve ter imaginado que o texto não seria aceitável. A Heinemann
provavelmente percebeu que teria que agir com cuidado.”
O caderno de Sassoon é “prova de sua busca
incansável por um tema”, disse a biógrafa. “Ele encontrou um tema maravilhoso
na Primeira Guerra Mundial. Terminada a guerra, tornou-se um poeta em busca de
um assunto.”
Wilson descreveu o poema sobre a morte de
Hardy como “muito comovente”, dizendo: “Sassoon foi ajudar Florence Hardy, a
viúva, quando Hardy morreu, porque era íntimo do escritor. Eu imaginava que ele
tivesse escrito algo sobre a morte de Hardy, e aqui está.”
Roy Davids, 70 anos, é ex-leiloeiro e
marchand; dirigiu o departamento de manuscritos da Sotheby’s por muitos anos.
Ele comentou sobre o rascunho de “Atrocities”: “Quando primeiro li este poema,
mal pude acreditar que era um oficial inglês dizendo essas coisas sobre seu
próprio lado. Não surpreende que não tenham querido publicar. É claro que fazia
parte daquela coisa toda de fazer resistência aos generais. Eles sabiam que não
poderiam executá-lo, então o mandaram ao hospício.”
A coleção de Davids se lê como um manual de
A a Z de literatura inglesa, abrangendo Tennyson, Ted Hughes e T.S. Eliot. É
tão grande que o leilão da Bonhams terá lugar em dois dias, 10 de abril e 8 de
maio.
Desmond Clarke, presidente da Sociedade de
Livros de Poesia, falou que haverá grande interesse no material oferecido no
leilão. “‘Atrocities’ é uma crítica intransigente aos colegas soldados de
Sassoon. Deveria ser leitura obrigatória para todos os cadetes de [a academia
militar] Sandhurst.”
VISÃO DE CRUELDADE
O texto publicado de “Atrocities”
Você me contou, em seu momento de jactância
bêbada
De como massacrou prisioneiros, certa época.
Era bom!
Com certeza não sentiu pena ao vê-los
Pacientes, acovardados e assustados, como
prisioneiros devem ficar.
Como deu cabo deles? Vamos lá, não seja
tímido:
Você sabe que eu adoro ouvir sobre como
morrem alemães
Lá embaixo, em trincheiras. “Camaradas!”,
eles berram,
E então gritam como arminhos quando as
bombas começam a voar.
E você? Conheço sua ficha. Você se declarou
doente
Quando as ordens pareceram perigosas; e
depois, com truques e mentiras
Deu um jeito de ser mandado para casa. E
aqui está,
Ainda contando vantagem e bebendo todas num
bar.
O original, em inglês
You told me, in your drunken-boasting mood,
How once you butchered prisoners. That was
good!
I’m sure you felt no pity while they stood
Patient and cowed and scared, as prisoners
should.
How did you do them in? Come, don’t be shy:
You know I love to hear how Germans die,
Downstairs in dug-outs. “Camerad!” they cry;
Then squeal like stoats when bombs begin to
fly.
And you? I know your record. You went sick
When orders looked unwholesome: then, with
trick
And lie, you wangled home. And here you are,
Still talking big and boozing in a bar.
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