Graças ao Censo Escolar de 2011, descobrimos
que 72,5% das escolas públicas brasileiras simplesmente não têm bibliotecas.
Isto equivale a 113.269 escolas.
Vladimir Safatle, na Folha de S. Paulo
“A Carta Roubada” é um dos contos mais
célebres de Edgar Allan Poe. Nele, o escritor norte-americano conta a história
de um ministro que resolve chantagear a rainha roubando a carta que lhe fora
endereçada por um amante.
Desesperada, a rainha encarrega sua polícia
secreta de encontrar a carta, que provavelmente deveria estar na casa do
ministro. Uma astuta análise, com os mais modernos métodos, é feita sem
sucesso. Reconhecendo sua incompetência, o chefe de polícia apela a Auguste
Dupin, um detetive que tem a única ideia sensata do conto: procurar a carta no
lugar mais óbvio possível, a saber, em um porta-cartas em cima da lareira.
A leitura do conto de Edgar Allan Poe
deveria ser obrigatória para os responsáveis pela educação pública. Muitas
vezes, eles parecem se deleitar em procurar as mais finas explicações,
contratar os mais astutos consultores internacionais com seus métodos
pretensamente inovadores, sendo que os problemas a combater são primários e
óbvios para qualquer um que queira, de fato, enxergá-los.
Por exemplo, há semanas descobrimos, graças
ao Censo Escolar de 2011, que 72,5% das escolas públicas brasileiras simplesmente
não têm bibliotecas. Isto equivale a 113.269 escolas. Um descaso que não mudou
com o tempo, já que, das 7.284 escolas construídas a partir de 2008, apenas
19,4% têm algo parecido com uma biblioteca.
Mesmo São Paulo, o Estado mais rico da
Federação, conseguiu ter 85% de suas escolas públicas nessa situação. Ou seja,
um número pior do que a média nacional.
Diante de resultados dessa magnitude, não é
difícil entender a matriz dos graves problemas educacionais que atravessamos.
Difícil é entender por que demoramos tanto para ter uma imagem dessa realidade.
Ninguém precisa de mais um discurso óbvio
sobre a importância da leitura e do contato efetivo com livros para a boa
formação educacional. Ou melhor, ninguém a não ser os administradores da
educação pública, em todas as suas esferas. Pois não faz sentido algum discutir
o fracasso educacional brasileiro se questões elementares são negligenciadas a
tal ponto.
Em política educacional, talvez vamos acabar
por descobrir que “menos é mais”. Quanto menos “revoluções na educação” e
quanto mais capacidade de realmente priorizar a resolução de problemas
elementares (bibliotecas, valorização da carreira dos professores etc.), melhor
para todos.
A não ser para os consultores contratados a
peso de ouro para vender o mais novo método educacional portador de grandes
promessas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário